Quando eu era pequena (como já comentei em um post aqui), eu
odiava minha boca, achava grande demais, isso sem comentar do meu nariz, afinal
ninguém achava bonito um nariz de batata. Descobri que minha irmã sofria
bullying na escola e até ganhou uma música horrível por conta de seus cabelos.
Depois que cresci um pouco percebi que quando entrava em lojas de mochila
sempre tinha alguém da loja perto de mim, fui entender o que isso significava
em um episódio de Todo Mundo Odeia o Chris, afinal essa série me ensinou muita
coisa.
No meio de toda aquela comédia que eu assistia a tarde eu
descobri como era o racismo na escola que os professores não levavam a sério
porque era “coisa de criança”, também aprendi que eu era o tipo de pessoa que
ia ser vigiada em uma loja, também aprendi que sempre seria esperado menos de
uma pessoa da minha cor e que não abaixar a cabeça para ninguém me faria
parecer “barraqueira como a Rochelle”.
Depois de crescer um pouco mais eu comecei a perceber as
diferenças claras que minha inocência e falta de noção de mundo não me
permitiam ver. Como por exemplo uma mulher branca lutando ou discutindo por
algo era forte, enquanto a mulher negra que fazia o mesmo era barraqueira;
Angelina Jolie com a boca grande era ícone, a mulher negra que trabalhava no
banco com a boca grande não era; na
minha sala de aula ou eu era a única negra ou eram uma de dois ou três (numa
turma de 30 a 40 alunos), e isso só piorou na faculdade; o cara branco de dread
era estilo, o negro era sujo; alguém fez alguma besteira o primeiro comentário
era “aposto que é preto”.
E infelizmente hoje com vinte anos eu não vejo muita
diferença. Sim, a luta pelo combate do racismo cresceu muito, mas parece que a
cada dois passos que damos contra ele, ele dá mais um na nossa direção. Quando
o sistema de cotas foi criado o que eu mais ouvi foi “mais ai ta tirando as
vagas dos outros”, mas as pessoas nem se deram ao trabalho de olhar os números,
de entender que as pessoas que não entram no sistema de cotas GANHARAM mais
vagas do que tinham antes, que na verdade um cotista não tá tirando a vaga de
ninguém. Também ouço muito “mas é só se esforçar que consegue, fulano de tal
conseguiu” e me pergunto até quando vamos tentar comparar realidades a qual não
vivemos para tentar diminuir a intenção de algo que não está prejudicando
ninguém, apenas tentando ajudar?
Eu não vou mentir, eu já fui uma ignorante que falei “eu não
quero entrar na faculdade por ser negra, quero entrar por mérito meu”, sim
minha ignorância e egocentrismo já chegou nesse nível, mas talvez porque eu não
entendia que nem todo mundo tinha as mesmas oportunidades que eu e olha, ainda
bem que eu mudei.
Hoje eu entendo a apreensão que eu fico quando meu primo vai
para uma festa, e sim eu tenho medo de alguém confundir ele com um criminoso
simplesmente porque ele é negro e tem dreads, eu tenho medo de perder uma vaga
de emprego por ser negra, eu fico com raiva quando eu falo que faço engenharia
mecânica e a pessoa me olha com uma sobrancelha levantada e dizer “você?” (50% por eu ser mulher, 50%
por ser negra filha de caminhoneiro e balconista). Hoje eu entendo como
estressa ver as pessoas te olharem estranho simplesmente porque você entrou em
tal loja que você não faz parte do “público alvo”.
Eu nunca tive vergonha de ser negra, isso eu posso dizer com
orgulho, nunca questionei a cor da minha pele, mas crescendo eu aprendi a
questionar o motivo de alguém me tratar diferente do que eu mereço por causa da
cor da minha pele. Hoje eu entendo o motivo de eu ter ficado tão feliz com o
lançamento de A Princesa e o Sapo, afinal eu me via ali; hoje eu entendo como a
representatividade para crianças negras é importante; eu entendo como as
Destiny’s Child mudaram a vida de milhares de mulheres; entendo como o sonho de
Martin Luther King era tão coletivo e como fez a diferença. Eu sempre me
questionei o motivo de ter um dia para a Consciência Negra, mas hoje eu
entendo.
Hoje eu entendo que os negros no Brasil têm um dia para
honrar todos aqueles que morreram durante o período de escravidão, todos que
morreram lutando para o fim dela, todos que começaram a viver quando essa
escravidão finalmente chegou ao fim e a todos aqueles que enfrentam as
consequências desse período até hoje. Entendo que é um dia para nos lembrarmos
que não somos nós o problema na sociedade, mas sim essa cultura ridícula que é
passada de pai para filho de que algo preto é ruim, de que pessoas negras devem
ser evitadas na rua, de que algo de origem africana é “do demônio”.
Hoje eu entendo o clipe de This Is America e de Apesh**t tão
na pele que dói, hoje eu vejo notícias de policiais matando seguranças e
pessoas inocentes simplesmente por causa da cor de sua pele, nessas eleições eu
vi o quanto o Brasil é preconceituoso e racista, não é ele todo, mas é a
maioria. E hoje eu me orgulho em dizer que ando ao lado de Nina Simone, de
Viola Davis, de Michelle e Barack Obama, de Zumbi dos Palmares, de Taís Araújo,
de todos independentemente de etnia, de sexo, de crença, ao lado de todos os
humanos que entendem que o racismo existe SIM, é um problema social que precisa
ser debatido e que definitivamente NÃO É VITIMIZAÇÃO NEM MIMIMI, ando ao lado
de todos aqueles que lutam para que o racismo passe a ser algo fora da nossa
realidade.
“Não sou descendente de escravos. Eu descendo de seres humanos que
foram escravizados.”
- Makota Valdina
Infelizmente o racismo ainda é bastante enraizado na sociedade brasileira, mas parabéns pelo texto, suas palavras realmente me fizeram sentir. Beijos linda!
ResponderExcluirhttps://escrevendoerabiscando.blogspot.com
Olá!
ExcluirFico muito feliz em saber que consegui lhe passar algo.
Beijão!
Fiquei muito emocionada lendo seu texto, pois entendo como deve ser dura a sua realidade e a de muitos negros também. Acho que o grande problema do racismo é que se tornou estrutural, quase já nascemos com isso. É uma triste realidade que temos que lutar contra todos os dias!
ResponderExcluirhttps://oprimeiroato.blogspot.com/
Olá Aninha!
ExcluirFico feliz em saber que se emocionou, e sim, infelizmente este é um mal que esta presente no nosso cotidiano como a água, não iremos parar de lutar contra.
Beijão!